Primeira parte — Noções preliminares
Capítulo I — Há Espíritos?
Sem indagarem se tais contos, despojados dos acessórios ridículos, encerram algum fundo de verdade, essas pessoas unicamente se impressionam com o lado absurdo que eles revelam. Sem se darem ao trabalho de tirar a casca amarga, para achar a amêndoa, rejeitam o todo, como fazem, relativamente à religião, os que, chocados por certos abusos, tudo englobam numa só condenação.
Seja qual for a ideia que dos Espíritos se faça, a crença neles necessariamente se funda na existência de um princípio inteligente fora da matéria. Essa crença é incompatível com a negação absoluta deste princípio. Tomamos, conseguintemente, por ponto de partida, a existência, a sobrevivência e a individualidade da alma, existência, sobrevivência e individualidade que têm no Espiritualismo a sua demonstração teórica e dogmática e, no Espiritismo, a demonstração positiva. Abstraiamos, por um momento, das manifestações propriamente ditas e, raciocinando por indução, vejamos a que consequências chegaremos.
Segundo a crença vulgar, vai para o céu, ou para o inferno. Mas, onde ficam o céu e o inferno? Dizia-se outrora que o céu era em cima e o inferno embaixo. Porém, o que são o alto e o baixo no universo, uma vez que se conhecem a esfericidade da Terra, o movimento dos astros, movimento que faz com que o que em dado instante está no alto esteja, doze horas depois, embaixo, e o infinito do espaço, através do qual o olhar penetra, indo a distâncias consideráveis? Verdade é que por lugares inferiores também se designam as profundezas da Terra. Mas, que vêm a ser essas profundezas, desde que a geologia as esquadrinhou? Que ficaram sendo, igualmente, as esferas concêntricas chamadas céu de fogo, céu das estrelas, desde que se verificou que a Terra não é o centro dos mundos, que mesmo o nosso Sol não é único, que milhões de sóis brilham no espaço, constituindo cada um o centro de um turbilhão planetário? A que ficou reduzida a importância da Terra, mergulhada nessa imensidade? Por que injustificável privilégio este quase imperceptível grão de areia, que não avulta pelo seu volume, nem pela sua posição, nem pelo papel que lhe cabe desempenhar, seria o único planeta povoado de seres racionais? A razão se recusa a admitir semelhante nulidade do infinito e tudo nos diz que os diferentes mundos são habitados. Ora, se são povoados, também fornecem seus contingentes para o mundo das almas. Porém, ainda uma vez, que terá sido feito dessas almas, depois que a astronomia e a geologia destruíram as moradas que se lhes destinavam e, sobretudo, depois que a teoria, tão racional, da pluralidade dos mundos, as multiplicou ao infinito?
Não podendo a doutrina da localização das almas harmonizar-se com os dados da ciência, outra doutrina mais lógica lhes assina por domínio, não um lugar determinado e circunscrito, mas o espaço universal: formam elas um mundo invisível, em o qual vivemos imersos, que nos cerca e acotovela incessantemente. Haverá nisso alguma impossibilidade, alguma coisa que repugne à razão? De modo nenhum; tudo, ao contrário, nos afirma que não pode ser de outra maneira.
Mas, então, que vem a ser das penas e recompensas futuras, desde que se lhes suprimam os lugares especiais onde se efetivem? Notai que a incredulidade, com relação a tais penas e recompensas, provam geralmente de serem umas e outras apresentadas em condições inadmissíveis. Dizei, em vez disso, que as almas tiram de si mesmas a sua felicidade ou a sua desgraça; que a sorte lhes está subordinada ao estado moral; que a reunião das que se votam mútua simpatia e são boas representa para elas uma fonte de ventura; que, de acordo com o grau de purificação que tenham alcançado, penetram e entreveem coisas que almas grosseiras não distinguem, e toda gente compreenderá sem dificuldade. Dizei mais, que as almas não atingem o grau supremo, senão pelos esforços que façam por se melhorarem e depois de uma série de provas adequadas à sua purificação; que os anjos são almas que galgaram o último grau da escala, grau que todas podem atingir, tendo boa vontade; que os anjos são os mensageiros de Deus, encarregados de velar pela execução de seus desígnios em todo o universo, que se sentem ditosos com o desempenho dessas missões gloriosas, e lhes tereis dado à felicidade um fim mais útil e mais atraente, do que fazendo-a consistir numa contemplação perpétua, que não passaria de perpétua inutilidade. Dizei, finalmente, que os demônios são simplesmente as almas dos maus, ainda não purificadas, mas que podem, como as outras, ascender ao mais alto cume da perfeição e isto parecerá mais conforme à justiça e à bondade de Deus, do que a doutrina que os dá como criados para o mal e ao mal destinados eternamente. Ainda uma vez: aí tendes o que a mais severa razão, a mais rigorosa lógica, o bom senso, em suma, podem admitir.
Ora, essas almas que povoam o Espaço são precisamente o a que se chama Espíritos. Assim, pois, os Espíritos não são senão as almas dos homens, despojadas do invólucro corpóreo. Mais hipotética lhes seria a existência, se fossem seres à parte. Se, porém, se admitir que há almas, necessário também será se admita que os Espíritos são simplesmente as almas e nada mais. Se se admite que as almas estão por toda parte, ter-se-á que admitir, do mesmo modo, que os Espíritos estão por toda parte. Possível, portanto, não fora negar a existência dos Espíritos, sem negar a das almas.
Figuremos, primeiramente, o Espírito em união com o corpo. Ele é o ser principal, pois que é o ser que pensa e sobrevive. O corpo não passa de um acessório seu, de um invólucro, uma veste, que ele deixa, quando usada. Além desse invólucro material, tem o Espírito um segundo, semimaterial, que o liga ao primeiro. Por ocasião da morte, despoja-se deste, porém não do outro, a que damos o nome de perispírito. Esse invólucro semimaterial, que tem a forma humana, constitui para o Espírito um corpo fluídico, vaporoso, mas que, pelo fato de nos ser invisível no seu estado normal, não deixa de ter algumas das propriedades da matéria. O Espírito não é, pois, um ponto, uma abstração; é um ser limitado e circunscrito, ao qual só falta ser visível e palpável, para se assemelhar aos seres humanos. Por que, então, não haveria de atuar sobre a matéria? Por ser fluídico o seu corpo? Mas, onde encontra o homem os seus mais possantes motores, senão entre os mais rarificados fluidos, mesmo entre os que se consideram imponderáveis, como, por exemplo, a eletricidade? Não é exato que a luz, imponderável, exerce ação química sobre a matéria ponderável? Não conhecemos a natureza íntima do perispírito. Suponhamo-lo, todavia, formado de matéria elétrica, ou de outra tão sutil quanto esta: por que, quando dirigido por uma vontade, não teria propriedade idêntica à daquela matéria?
Credes em Deus?
Credes que tendes uma alma?
Credes na sobrevivência da alma após a morte?
— responder negativamente, ou, mesmo, se disser simplesmente: Não sei; desejara que assim fosse, mas não tenho a certeza disso, o que, quase sempre, equivale a uma negação polida, disfarçada sob uma forma menos categórica, para não chocar bruscamente o a que ele chama preconceitos respeitáveis, tão inútil seria ir além, como querer demonstrar as propriedades da luz a um cego que não admitisse a existência da luz. Porque, em suma, as manifestações espíritas não são mais do que efeitos das propriedades da alma. Com semelhante interlocutor, se se não quiser perder tempo, ter-se-á que seguir muito diversa ordem de ideias.
Admitida que seja a base, não como simples probabilidade, mas como coisa averiguada, incontestável, dela muito naturalmente decorrerá a existência dos Espíritos.
Desde que admitis a sobrevivência da alma, será racional que não admitais a sobrevivência dos afetos? Pois que as almas estão por toda parte, não será natural acreditarmos que a de um ente que nos amou durante a vida se acerque de nós, deseje comunicar-se conosco e se sirva para isso dos meios de que disponha? Enquanto vivo, não atuava ele sobre a matéria de seu corpo? Não era quem lhe dirigia os movimentos? Por que razão, depois de morto, entrando em acordo com outro Espírito ligado a um corpo, estaria impedido de se utilizar deste corpo vivo, para exprimir o seu pensamento, do mesmo modo que um mudo pode servir-se de uma pessoa que fale, para se fazer compreendido?
1.º que o ser pensante, que existe em nós durante a vida, não mais pensa depois da morte;
2.º que, se continua a pensar, está inibido de pensar naqueles a quem amou;
3.º que, se pensa nestes, não cogita de se comunicar com eles;
4.º que, podendo estar em toda parte, não pode estar ao nosso lado;
5.º que, podendo estar ao nosso lado, não pode comunicar-se conosco;
6.º que não pode, por meio do seu envoltório fluídico, atuar sobre a matéria inerte;
7.º que, sendo-lhe possível atuar sobre a matéria inerte, não pode atuar sobre um ser animado;
8.º que, tendo a possibilidade de atuar sobre um ser animado, não lhe pode dirigir a mão para fazê-lo escrever;
9.º que, podendo fazê-lo escrever, não lhe pode responder às perguntas, nem lhe transmitir seus pensamentos.
Quando os adversários do Espiritismo nos provarem que isto é impossível, aduzindo razões tão patentes quais as com que Galileu demonstrou que o Sol não é que gira em torno da Terra, então poderemos considerar-lhes fundadas as dúvidas. Infelizmente, até hoje, toda a argumentação a que recorrem se resume nestas palavras: Não creio, logo isto é impossível. Dir-nos-ão, com certeza, que nos cabe a nós provar a realidade das manifestações. Ora, nós lhes damos, pelos fatos e pelo raciocínio, a prova de que elas são reais. Mas, se não admitem nem uma, nem outra coisa, se chegam mesmo a negar o que veem, toca-lhes a eles provar que o nosso raciocínio é falso e que os fatos são impossíveis.
Capítulo II — Do maravilhoso e do sobrenatural
Ora, foi exatamente por quererem, ao observar estas espécies de fenômenos, proceder por assimilação que os sábios se transviaram.
Em suma, o fato aí está. Não há, nem haverá negação que possa fazer não seja ele real, porquanto negar não é provar. Para nós, não há coisa alguma sobrenatural. É tudo o que, por agora, podemos dizer.
Far-se-ia mister aqui uma demonstração completa, que, no entanto, estaria deslocada e, ao demais, constituiria uma repetição, visto que ressalta de todas as outras partes do ensino. Todavia, resumindo-a nalgumas palavras, diremos que, em teoria, ela se funda neste princípio: todo efeito inteligente há de ter uma causa inteligente e, do ponto de vista prático, na observação de que, tendo os fenômenos ditos espíritas dado provas de inteligência, fora da matéria havia de estar a causa que os produzia e de que, não sendo essa inteligência a dos assistentes — o que a experiência atesta — havia de lhes ser exterior. Pois que não se via o ser que atuava, necessariamente era um ser invisível. Assim foi que, de observação em observação, se chegou ao reconhecimento de que esse ser invisível, a que deram o nome de Espírito, não é senão a alma dos que viveram corporalmente, aos quais a morte arrebatou o grosseiro invólucro visível, deixando-lhes apenas um envoltório etéreo, invisível no seu estado normal. Eis, pois, o maravilhoso e o sobrenatural reduzidos à sua mais simples expressão. Uma vez comprovada a existência de seres invisíveis, a ação deles sobre a matéria resulta da natureza do envoltório fluídico que os reveste. É inteligente essa ação, porque, ao morrerem, eles perderam tão somente o corpo, conservando a inteligência que lhes constitui a essência mesma. Aí está a chave de todos esses fenômenos tidos erradamente por sobrenaturais. A existência dos Espíritos não é, portanto, um sistema preconcebido, ou uma hipótese imaginada para explicar os fatos: é o resultado de observações e consequência natural da existência da alma. Negar essa causa é negar a alma e seus atributos. Dignem-se de apresentá-la os que pensem em poder dar desses efeitos inteligentes uma explicação mais racional e, sobretudo, de apontar a causa de todos os fatos, e então será possível discutir-se o mérito de cada uma.
Quanto a nós, dar-se-á aceitemos todos os fatos qualificados de maravilhosos, pela simples razão de admitirmos os efeitos que são a consequência da existência da alma? Dar-se-á sejamos campeões de todos os sonhadores, adeptos de todas as utopias, de todas as excentricidades sistemáticas? Quem o supuser, demonstrará bem minguado conhecimento do Espiritismo. Mas, os nossos adversários não atentam nisto muito de perto. O de que menos cuidam é da necessidade de conhecerem aquilo de que falam.
Segundo eles, o maravilhoso é absurdo; ora, o Espiritismo se apoia em fatos maravilhosos, logo o Espiritismo é absurdo. E consideram sem apelação esta sentença. Acham que opõem um argumento irretorquível quando, depois de terem procedido a eruditas pesquisas acerca dos convulsionários de Saint-Médard, dos fanáticos de Cevenas, ou das religiosas de Loudun, chegaram à descoberta de patentes embustes, que ninguém contesta. Semelhantes histórias, porém, serão o evangelho do Espiritismo? Terão seus adeptos negado que o charlatanismo há explorado, em proveito próprio, alguns fatos? que outros sejam frutos da imaginação? que muitos tenham sido exagerados pelo fanatismo? Tão solidário é ele com as extravagâncias que se cometam em seu nome, quanto a verdadeira ciência com os abusos da ignorância, ou a verdadeira religião com os excessos do sectarismo. Muitos críticos se limitam a julgar do Espiritismo pelos contos de fadas e pelas lendas populares que lhe são as ficções. O mesmo fora julgar da história pelos romances históricos, ou pelas tragédias.
Porém, até onde vai a crença do Espiritismo? perguntarão. Lede, observai e sabê-lo-eis. Só com o tempo e o estudo se adquire o conhecimento de qualquer ciência. Ora, o Espiritismo, que entende com as mais graves questões de filosofia, com todos os ramos da ordem social, que abrange tanto o homem físico quanto o homem moral, é, em si mesmo, uma ciência, uma filosofia, que já não podem ser aprendidas em algumas horas, como nenhuma outra ciência.
Tanta puerilidade haveria em se querer ver todo o Espiritismo numa mesa girante, como toda a física nalguns brinquedos de criança. A quem não se limite a ficar na superfície, são necessários, não algumas horas somente, mas meses e anos, para lhe sondar todos os arcanos. Por aí se pode apreciar o grau de saber e o valor da opinião dos que se atribuem o direito de julgar, porque viram uma ou duas experiências, as mais das vezes por distração ou divertimento. Dirão eles com certeza que não lhes sobram lazeres para consagrarem a tais estudos todo o tempo que reclamam. Está bem; nada a isso os constrange. Mas, quem não tem tempo de aprender uma coisa não se mete a discorrer sobre ela e, ainda menos, a julgá-la, se não quiser que o acoitem de leviano. Ora, quanto mais elevada seja a posição que ocupemos na ciência, tanto menos escusável é que digamos, levianamente, de um assunto que desconhecemos.
1.º. Todos os fenômenos espíritas têm por princípio a existência da alma, sua sobrevivência ao corpo e suas manifestações.
2.º. Fundando-se numa lei da natureza, esses fenômenos nada têm de maravilhosos, nem de sobrenaturais, no sentido vulgar dessas palavras.
3.º. Muitos fatos são tidos por sobrenaturais, porque não se lhes conhece a causa; atribuindo-lhes uma causa, o Espiritismo os repõe no domínio dos fenômenos naturais.
4.º. Entre os fatos qualificados de sobrenaturais, muitos há cuja impossibilidade o Espiritismo demonstra, incluindo-os em o número das crenças supersticiosas.
5.º. Se bem reconheça um fundo de verdade em muitas crenças populares, o Espiritismo de modo algum dá sua solidariedade a todas as histórias fantásticas que a imaginação há criado.
6.º. Julgar do Espiritismo pelos fatos que ele não admite é dar prova de ignorância e tirar todo valor à opinião emitida.
7.º. A explicação dos fatos que o Espiritismo admite, de suas causas e consequências morais, forma toda uma ciência e toda uma filosofia, que reclamam estudo sério, perseverante e aprofundado.
8.º. O Espiritismo não pode considerar crítico sério, senão aquele que tudo tenha visto, estudado e aprofundado com a paciência e a perseverança de um observador consciencioso; que do assunto saiba tanto quanto qualquer adepto instruído; que haja, por conseguinte, haurido seus conhecimentos algures que não nos romances da ciência; aquele a quem não se possa opor fato algum que lhe seja desconhecido, nenhum argumento de que já não tenha cogitado e cuja refutação faça, não por mera negação, mas por meio de outros argumentos mais peremptórios; aquele, finalmente, que possa indicar, para os fatos averiguados, causa mais lógica do que a que lhes aponta o Espiritismo. Tal crítico ainda está por aparecer.
15. Pronunciamos há pouco a palavra milagre; uma ligeira observação sobre isso não virá fora de propósito, neste capítulo que trata do maravilhoso.
Na sua acepção primitiva e pela sua etimologia, o termo milagre significa coisa extraordinária, coisa admirável de se ver. Mas como tantas outras, essa palavra se afastou do seu sentido originário, e hoje por milagre se entende (segundo a Academia) um ato do poder divino, contrário às leis comuns da natureza. Tal, com efeito, a sua acepção usual e apenas por comparação e por metáfora é ela aplicada às coisas vulgares que nos surpreendem e cuja causa se desconhece. De nenhuma forma entra em nossas cogitações indagar se Deus há julgado útil, em certas circunstâncias, derrogar as leis que ele próprio estabelecera; nosso fim é, unicamente, demonstrar que os fenômenos espíritas, por mais extraordinários que sejam, de maneira alguma derrogam essas leis, que nenhum caráter têm de miraculosos, do mesmo modo que não são maravilhosos, ou sobrenaturais.
O milagre não se explica; os fenômenos espíritas, ao contrário, se explicam racionalissimamente. Não são, pois, milagres, mas simples efeitos, cuja razão de ser se encontra nas leis gerais. O milagre apresenta ainda outro caráter, o de ser insólito e isolado. Ora, desde que um fato se reproduz, por assim dizer, à vontade e por diversas pessoas, não pode ser um milagre.
Todos os dias a ciência opera milagres aos olhos dos ignorantes. Por isso é que, outrora, os que sabiam mais do que o vulgo passavam por feiticeiros; e, como se entendia, então, que toda ciência sobre-humana vinha do diabo, queimavam-nos. Hoje, que já estamos muito mais civilizados, eles apenas são mandados para os hospícios.
Se um homem realmente morto, como dissemos em começo, ressuscitar por intervenção divina, haverá aí verdadeiro milagre, porque isso é contrário às leis da natureza. Se, porém, tal homem só aparentemente está morto, se ainda há nele um resto de vitalidade latente e a ciência ou uma ação magnética consegue reanimá-lo, um fenômeno natural é o que isso será para pessoas instruídas. Todavia, aos olhos do vulgo ignorante, o fato passará por milagroso, e o autor se verá perseguido a pedradas, ou venerado, conforme o caráter dos indivíduos. Solte um físico, em campo de certa natureza, um papagaio elétrico e faça, por esse meio, cair um raio sobre uma árvore e o novo Prometeu será tido certamente como senhor de um poder diabólico. E, seja dito de passagem, Prometeu nos parece, muito singularmente, ter sido um precursor de Franklin; mas, Josué, detendo o movimento do Sol, ou, antes, da Terra, esse teria operado verdadeiro milagre, porquanto não conhecemos magnetizador algum dotado de tão grande poder, para realizar tal prodígio.
De todos os fenômenos espíritas, um dos mais extraordinários é, incontestavelmente, o da escrita direta e um dos que demonstram de modo mais patente a ação das inteligências ocultas. Mas, da circunstância de ser esse fenômeno produzido por seres ocultos, não se segue que seja mais miraculoso do que qualquer dos outros fenômenos devidos a agentes invisíveis, porque esses seres ocultos, que povoam os espaços, são uma das potências da natureza, potências cuja ação é incessante, assim sobre o mundo material, como sobre o mundo moral.
Esclarecendo-nos com relação a essa potência, o Espiritismo nos dá a explicação de uma imensidade de coisas inexplicadas e inexplicáveis por qualquer outro meio e que, à falta de toda explicação, passaram por prodígios, nos tempos antigos. Do mesmo modo que o magnetismo, ele nos revela uma lei, se não desconhecida, pelo menos mal compreendida; ou, mais acertadamente, uma lei que se desconhecia, embora se lhe conhecessem os efeitos, visto que estes sempre se produziram em todos os tempos, tendo a ignorância da lei gerado a superstição. Conhecida ela, desaparece o maravilhoso e os fenômenos entram na ordem das coisas naturais. Eis por que, fazendo que uma mesa se mova, ou que os mortos escrevam, os espíritas não operam maior milagre do que opera o médico que restitui à vida um moribundo, ou o físico que faz cair o raio. Aquele que pretendesse, por meio desta ciência, realizar milagres, seria ou ignorante do assunto, ou embusteiro.
Vem, pois, em auxílio da religião, demonstrando a possibilidade de muitos que, por perderem o caráter de miraculosos, não deixam, contudo, de ser extraordinários, e Deus não fica sendo menor, nem menos poderoso, por não haver derrogado suas leis. De quantas graçolas não foi objeto o fato de São Cupertino se erguer nos ares! Ora, a suspensão etérea dos corpos graves é um fenômeno que a lei espírita explica. Fomos dele pessoalmente testemunha ocular, e o Sr. Home, assim como outras pessoas de nosso conhecimento, repetiram muitas vezes o fenômeno produzido por São Cupertino. Logo, este fenômeno pertence à ordem das coisas naturais.
Quanto à personagem que se apresentou na Salette, é outra questão. Sua identidade não nos foi absolutamente demonstrada. Apenas reconhecemos que pode ter havido uma aparição; quanto ao mais, escapa à nossa competência. A esse respeito, cada um está no direito de manter suas convicções, nada tendo o Espiritismo que ver com isso. Dizemos tão somente que os fatos que o Espiritismo produz nos revelam leis novas e nos dão a explicação de um mundo de coisas que pareciam sobrenaturais. Desde que alguns dos que passavam por miraculosos encontram, assim, explicação lógica, motivo é este bastante para que ninguém se apresse a negar o que não compreende.
Algumas pessoas contestam os fenômenos espíritas precisamente porque tais fenômenos lhes parecem estar fora da lei comum e porque não logram achar-lhes qualquer explicação. Dai-lhes uma base racional e a dúvida desaparecerá. A explicação, neste século em que ninguém se contenta com palavras, constitui, pois, poderoso motivo de convicção. Daí o vermos, todos os dias, pessoas, que nenhum fato testemunharam, que não observaram uma mesa agitar-se, ou um médium escrever, se tornarem tão convencidas quanto nós, unicamente porque leram e compreenderam. Se houvéssemos de somente acreditar no que vemos com os nossos olhos, a bem pouco se reduziriam as nossas convicções.
Capítulo III — Do método
Dissemos que o Espiritismo é toda uma ciência, toda uma filosofia. Quem, pois, seriamente queira conhecê-lo deve, como primeira condição, dispor-se a um estudo sério e persuadir-se de que ele não pode, como nenhuma outra ciência, ser aprendido a brincar. O Espiritismo, também já o dissemos, entende com todas as questões que interessam à humanidade; tem imenso campo, e o que principalmente convém é encará-lo pelas suas consequências.
Forma-lhe sem dúvida a base a crença nos Espíritos, mas essa crença não basta para fazer de alguém um espírita esclarecido, como a crença em Deus não é suficiente para fazer de quem quer que seja um teólogo. Vejamos, então, de que maneira será melhor se ministre o ensino da doutrina espírita, para levar com mais segurança à convicção.
Não se espantem os adeptos com esta palavra — ensino. Não constitui ensino unicamente o que é dado do púlpito ou da tribuna. Há também o da simples conversação. Ensina todo aquele que procura persuadir a outro, seja pelo processo das explicações, seja pelo das experiências. O que desejamos é que seu esforço produza frutos e é por isto que julgamos de nosso dever dar alguns conselhos, de que poderão igualmente aproveitar os que queiram instruir-se por si mesmos. Uns e outros, seguindo-os, acharão meio de chegar com mais segurança e presteza ao fim visado.
Todo ensino metódico tem que partir do conhecido para o desconhecido. Ora, para o materialista, o conhecido é a matéria: parti, pois, da matéria e tratai, antes de tudo, fazendo que ele a observe, de convencê-lo de que há nele alguma coisa que escapa às leis da matéria. Numa palavra, antes que o torneis ESPÍRITA, cuidai de torná-lo ESPIRITUALISTA. Mas, para tal, muito outra é a ordem de fatos a que se há de recorrer, muito especial o ensino cabível e que, por isso mesmo, precisa ser dado por outros processos. Falar-lhe dos Espíritos, antes que esteja convencido de ter uma alma, é começar por onde se deve acabar, porquanto não lhe será possível aceitar a conclusão, sem que admita as premissas. Antes, pois, de tentarmos convencer um incrédulo, mesmo por meio dos fatos, cumpre nos certifiquemos de sua opinião relativamente à alma, isto é, cumpre verifiquemos se ele crê na existência da alma, na sua sobrevivência ao corpo, na sua individualidade após a morte. Se a resposta for negativa, falar-lhe dos Espíritos seria perder tempo. Eis aí a regra. Não dizemos que não comporte exceções. Neste caso, porém, haverá provavelmente outra causa que o torna menos refratário.
Felizmente, são em número restrito e não formam escola abertamente confessa. Não precisamos insistir nos deploráveis efeitos que para a ordem social resultariam da vulgarização de semelhante doutrina. Já nos estendemos bastante sobre esse assunto em O Livro dos Espíritos (n.º 147 e § III da Conclusão).
Quando dissemos que a dúvida cessa nos incrédulos diante de uma explicação racional, excetuamos os materialistas extremados, os que negam a existência de qualquer força e de qualquer princípio inteligente fora da matéria. A maioria deles se obstina por orgulho na opinião que professa, entendendo que o amor-próprio lhes impõe persistir nela. E persistem, não obstante todas as provas em contrário, porque não querem ficar debaixo. Com tal gente, nada há que fazer; ninguém mesmo se deve deixar iludir pelo falso tom de sinceridade dos que dizem: fazei que eu veja, e acreditarei. Outros são mais francos e dizem sem rebuço: ainda que eu visse, não acreditaria.
Assim sendo, se lhes apresentardes alguma coisa racional, aceitam-na pressurosos. Esses, pois, nos podem compreender, visto estarem mais perto de nós do que, por certo, eles próprios o julgam.
Aos primeiros não faleis de revelação, nem de anjos, nem do paraíso: não vos compreenderiam. Colocai-vos, porém, no terreno em que eles se encontram e provai-lhes primeiramente que as leis da fisiologia são impotentes para tudo explicar; o resto virá depois. De outra maneira se passam as coisas, quando a incredulidade não é preconcebida, porque então a crença não é de todo nula; há um gérmen latente, abafado pelas ervas más, e que uma centelha pode reavivar. É o cego a quem se restitui a vista e que se alegra por tornar a ver a luz; é o náufrago a quem se lança uma tábua de salvação.
O puro materialista tem para o seu engano a escusa da boa-fé; possível será desenganá-lo, provando-se-lhe o erro em que labora. No outro, há uma determinação assentada, contra a qual todos os argumentos irão chocar-se em vão. O tempo se encarregará de lhe abrir os olhos e de lhe mostrar, quiçá à custa própria, onde estavam seus verdadeiros interesses, porquanto, não podendo impedir que a verdade se expanda, ele será arrastado pela torrente, bem como os interesses que julgava salvaguardar.
Ainda aí o que há é o resultado de incompleto estudo do Espiritismo e de falta de experiência. Aquele a quem os Espíritos mistificam, geralmente é mistificado por lhes perguntar o que eles não devem ou não podem dizer, ou porque não se acha bastante instruído sobre o assunto, para distinguir da impostura a verdade. Muitos, ao demais, só veem no Espiritismo um novo meio de adivinhação e imaginam que os Espíritos existem para predizer a sorte de cada um. Ora, os Espíritos levianos e zombeteiros não perdem ocasião de se divertirem à custa dos que pensam desse modo. É assim que anunciarão maridos às moças; ao ambicioso, honras, heranças, tesouros ocultos, etc. Daí, muitas vezes, desagradáveis decepções, das quais, entretanto, o homem sério e prudente sempre sabe preservar-se.
1º. Os que creem pura e simplesmente nas manifestações. Para eles, o Espiritismo é apenas uma ciência de observação, uma série de fatos mais ou menos curiosos. Chamar-lhes-emos espíritas experimentadores.
2º. Os que no Espiritismo veem mais do que fatos; compreendem-lhe a parte filosófica; admiram a moral daí decorrente, mas não a praticam. Insignificante ou nula é a influência que lhes exerce nos caracteres. Em nada alteram seus hábitos e não se privariam de um só gozo que fosse. O avarento continua a sê-lo, o orgulhoso se conserva cheio de si, o invejoso e o cioso sempre hostis. Consideram a caridade cristã apenas uma bela máxima. São os espíritas imperfeitos.
3º. Os que não se contentam com admirar a moral espírita, que a praticam e lhe aceitam todas as consequências. Convencidos de que a existência terrena é uma prova passageira, tratam de aproveitar os seus breves instantes para avançar pela senda do progresso, única que os pode elevar na hierarquia do mundo dos Espíritos, esforçando-se por fazer o bem e coibir seus maus pendores. As relações com eles sempre oferecem segurança, porque a convicção que nutrem os preserva de pensarem praticar o mal. A caridade é, em tudo, a regra de proceder a que obedecem. São os verdadeiros espíritas, ou melhor, os espíritas cristãos.
4º. Há, finalmente, os espíritas exaltados. A espécie humana seria perfeita, se nunca tomasse senão o lado bom das coisas. Em tudo, o exagero é prejudicial. Em Espiritismo, infunde confiança demasiado cega e frequentemente pueril, no tocante ao mundo invisível, e leva a aceitar-se, com extrema facilidade e sem verificação, aquilo cujo absurdo, ou impossibilidade a reflexão e o exame demonstrariam. O entusiasmo, porém, não reflete, deslumbra. Esta espécie de adeptos é mais nociva do que útil à causa do Espiritismo. São os menos aptos para convencer a quem quer que seja, porque todos, com razão, desconfiam dos julgamentos deles. Graças à sua boa-fé, são iludidos, assim, por Espíritos mistificadores, como por homens que procuram explorar-lhes a credulidade. Meio-mal apenas haveria, se só eles tivessem que sofrer as consequências. O pior é que, sem o quererem, dão armas aos incrédulos, que antes buscam ocasião de zombar do que se convencerem, e que não deixam de imputar a todos o ridículo de alguns. Sem dúvida que isto não é justo, nem racional; mas, como se sabe, os adversários do Espiritismo só consideram de bom quilate a razão de que desfrutam, e conhecer a fundo aquilo sobre que discorrem é o que menos cuidado lhes dá.
Há mesmo qualquer coisa de ilógico em supor-se que Espíritos venham exibir-se e submeter-se a investigações, como objetos de curiosidade. Portanto, pode suceder que os fenômenos não se deem quando mais desejados sejam, ou que se apresentem numa ordem muito diversa da que se quereria. Acrescentemos mais que, para serem obtidos, precisa se faz a intervenção de pessoas dotadas de faculdades especiais e que estas faculdades variam ao infinito, de acordo com as aptidões dos indivíduos. Ora, sendo extremamente raro que a mesma pessoa tenha todas as aptidões, isso constitui uma nova dificuldade, porquanto mister seria ter-se sempre à mão uma coleção completa de médiuns, o que absolutamente não é possível.
O meio, aliás, muito simples, de se obviar a este inconveniente, consiste em se começar pela teoria. Aí todos os fenômenos são apreciados, explicados, de modo que o estudante vem a conhecê-los, a lhes compreender a possibilidade, a saber em que condições podem produzir-se e quais os obstáculos que podem encontrar. Então, qualquer que seja a ordem em que se apresentem, nada terão que surpreenda. Este caminho ainda oferece outra vantagem: a de poupar uma imensidade de decepções àquele que queira operar por si mesmo. Precavido contra as dificuldades, ele saberá manter-se em guarda e evitar a conjuntura de adquirir a experiência à sua própria custa.
Ser-nos-ia difícil dizer quantas as pessoas que, desde quando começamos a ocupar-nos com o Espiritismo, hão vindo ter conosco e quantas delas vimos que se conservaram indiferentes ou incrédulas diante dos fatos mais positivos e só posteriormente se convenceram, mediante uma explicação racional; quantas outras que se predispuseram à convicção, pelo raciocínio; quantas, enfim, que se persuadiram, sem nada nunca terem visto, unicamente porque haviam compreendido. Falamos, pois, por experiência e, assim, também, é por experiência que dizemos consistir o melhor método de ensino espírita em se dirigir, aquele que ensina, antes à razão do que aos olhos. Esse o método que seguimos em nossas lições e pelo qual somente temos que nos felicitar.
Quem quer que reflita compreende perfeitamente bem que se poderia abstrair das manifestações, sem que a doutrina deixasse de subsistir. As manifestações a corroboram, confirmam, porém, não lhe constituem a base essencial. O observador criterioso não as repele; ao contrário, aguarda circunstâncias favoráveis, que lhe permitam testemunhá-las. A prova do que avançamos é que grande número de pessoas, antes de ouvirem falar das manifestações, tinham a intuição desta doutrina, que não fez mais do que lhes dar corpo, conexão às ideias.
Tão verdade é isto que, em dez pessoas completamente novatas no assunto, que assistam a uma sessão de experimentação, ainda que das mais satisfatórias na opinião dos adeptos, nove sairão sem estar convencidas e algumas mais incrédulas do que antes, por não terem as experiências correspondido ao que esperavam. O inverso se dará com as que puderem compreender os fatos, mediante antecipado conhecimento teórico. Para estas pessoas, a teoria constitui um meio de verificação, sem que coisa alguma as surpreenda, nem mesmo o insucesso, porque sabem em que condições os fenômenos se produzem e que não se lhes deve pedir o que não podem dar. Assim, pois, a inteligência prévia dos fatos não só as coloca em condições de se aperceberem de todas as anomalias, mas também de apreenderem um sem-número de particularidades, de matizes, às vezes muito delicados, que escapam ao observador ignorante. Tais os motivos que nos forçam a não admitir, em nossas sessões experimentais, senão quem possua suficientes noções preparatórias, para compreender o que ali se faz, persuadido de que os que lá fossem, carentes dessas noções, perderiam o seu tempo, ou nos fariam perder o nosso.
1.º. O que é o Espiritismo? Esta brochura, de uma centena de páginas somente, contém sumária exposição dos princípios da doutrina espírita, um apanhado geral desta, permitindo ao leitor apreender-lhe o conjunto dentro de um quadro restrito. Em poucas palavras ele lhe percebe o objetivo e pode julgar do seu alcance. Aí se encontram, além disso, respostas às principais questões ou objeções que os novatos se sentem naturalmente propensos a fazer. Esta primeira leitura, que muito pouco tempo consome, é uma introdução que facilita um estudo mais aprofundado.
2.º. O Livro dos Espíritos. Contém a doutrina completa, como a ditaram os próprios Espíritos, com toda a sua filosofia e todas as suas consequências morais. É a revelação do destino do homem, a iniciação no conhecimento da natureza dos Espíritos e nos mistérios da vida de além-túmulo. Quem o lê compreende que o Espiritismo objetiva um fim sério, que não constitui frívolo passatempo.
3.º. O Livro dos Médiuns. Destina-se a guiar os que queiram entregar-se à prática das manifestações, dando-lhes conhecimento dos meios próprios para se comunicarem com os Espíritos. É um guia, tanto para os médiuns, como para os evocadores, e o complemento de O Livro dos Espíritos.
4º. A Revue spirite. Variada coletânea de fatos, de explicações teóricas e de trechos isolados, que completam o que se encontra nas duas obras precedentes, formando-lhes, de certo modo, a aplicação. Sua leitura pode fazer-se simultaneamente com a daquelas obras, porém, mais proveitosa será, e, sobretudo, mais inteligível, se for feita depois de O Livro dos Espíritos.
Isto pelo que nos diz respeito. Os que desejem tudo conhecer de uma ciência devem necessariamente ler tudo o que se ache escrito sobre a matéria, ou, pelo menos, o que haja de principal, não se limitando a um único autor. Devem mesmo ler o pró e o contra, as críticas como as apologias, inteirar-se dos diferentes sistemas, a fim de poderem julgar por comparação.
Por esse lado, não preconizamos, nem criticamos obra alguma, visto não querermos, de nenhum modo, influenciar a opinião que dela se possa formar. Trazendo nossa pedra ao edifício, colocamo-nos nas fileiras. Não nos cabe ser juiz e parte e não alimentamos a ridícula pretensão de ser o único distribuidor da luz. Toca ao leitor separar o bom do mau, o verdadeiro do falso.
Capítulo IV — Dos sistemas
Julgaram os adversários do Espiritismo encontrar um argumento nessa divergência de opiniões, dizendo que os próprios espíritas não se entendiam entre si. A pobreza de semelhante razão prontamente se patenteia, desde que se reflita que os passos de qualquer ciência nascente são necessariamente incertos, até que o tempo haja permitido se colecionem e coordenem os fatos sobre que se possa firmar a opinião.
À medida que os fatos se completam e vão sendo mais bem observados, as ideias prematuras se apagam e a unidade se estabelece, pelo menos com relação aos pontos fundamentais, senão a todos os pormenores. Foi o que se deu com o Espiritismo, que não podia fugir à lei comum e tinha mesmo, por sua natureza, que se prestar, mais do que qualquer outro assunto, à diversidade das interpretações. Pode-se, aliás, dizer que, a este respeito, ele andou mais depressa do que outras ciências mais antigas, do que a medicina, por exemplo, que ainda traz divididos os maiores sábios.
De duas espécies são os fenômenos espíritas: efeitos físicos e efeitos inteligentes. Não admitindo a existência dos Espíritos, por não admitirem coisa alguma fora da matéria, concebe-se que neguem os efeitos inteligentes. Quanto aos efeitos físicos, eles os comentam do ponto de vista em que se colocam e seus argumentos se podem resumir nos quatro sistemas seguintes:
Num salão muito respeitável, um senhor, que se dizia bem-educado, tendo-se permitido fazer uma reflexão dessa natureza, ouviu da dona da casa o seguinte: “Senhor, pois que não estais satisfeito, à porta vos será restituído o que pagastes.” E, com um gesto, lhe indicou o que de melhor tinha a fazer. Dever-se-á por isso afirmar que nunca houve abuso? Para crê-lo, fora mister admitir-se que os homens são perfeitos. De tudo se abusa, até das coisas mais santas. Por que não abusariam do Espiritismo? Porém, o mau uso que de uma coisa se faça não autoriza que ela seja prejulgada desfavoravelmente. Para chegar-se à verificação, que se pode obter, da boa-fé com que obram as pessoas, deve-se atender aos motivos que lhes determinam o procedimento. O charlatanismo não tem cabimento onde não há especulação.
Afinal, semelhante maneira de atacar se tornou ridícula, tal a sua banalidade, e não merece que se perca tempo em refutá-la. Acresce que os espíritas não se alteram com isso; tomam corajosamente o seu partido e se consolam, lembrando-se de que têm por companheiros de infortúnio muitas pessoas de mérito incontestável.
Efetivamente, forçoso será convir em que essa loucura, se loucura existe, apresenta uma característica muito singular: a de atingir de preferência a classe instruída, em cujo seio conta o Espiritismo, até ao presente, a imensa maioria de seus adeptos. Se entre estes algumas excentricidades se manifestam, elas nada provam contra a doutrina, do mesmo modo que os loucos religiosos nada provam contra a religião, nem os loucos melômanos contra a música, ou os loucos matemáticos contra a matemática. Todas as ideias sempre tiveram fanáticos exagerados e é preciso se seja dotado de muito obtuso juízo, para confundir a exageração de uma coisa com a coisa mesma.
Para mais amplas explicações a este respeito, recomendamos ao leitor a nossa brochura: O que é o Espiritismo e O Livro dos Espíritos (Introdução, § 15).
É fora de dúvida que uma causa fisiológica bem conhecida pode fazer que uma pessoa julgue ver em movimento um objeto que não se moveu, ou que suponha estar ela própria a mover-se, quando permanece imóvel. Mas, quando, rodeando uma mesa, muitas pessoas a veem arrastada por um movimento tão rápido que difícil se lhes torna acompanhá-la, ou que mesmo deita algumas delas ao chão, poder-se-á dizer que todas se acham tomadas de vertigem, como o bêbado, que acredita estar vendo a casa em que mora passar-lhe por diante dos olhos?
É certo que um sábio médico deu desse fenômeno uma explicação, ao seu parecer, peremptória.* “A causa, disse ele, reside nas contrações voluntárias, ou involuntárias, do tendão do músculo curto-perônio.” A este propósito, desce às mais completas minúcias anatômicas, para demonstrar por que mecanismo pode esse tendão produzir os ruídos de que se trata, imitar os rufos do tambor e, até, executar árias ritmadas. Conclui daí que os que julgam ouvir pancadas numa mesa são vítimas de uma mistificação, ou de uma ilusão.
O fato, em si mesmo, não é novo. Infelizmente para o autor dessa pretendida descoberta, sua teoria é incapaz de explicar todos os casos. Digamos, antes de tudo, que os que gozam da estranha faculdade de fazer que o seu músculo curto-perônio, ou qualquer outro, estale à vontade, da de executar árias por esse meio, são indivíduos excepcionais, enquanto que muito comum é a de fazer-se que uma mesa dê pancadas e que nem todos, dado que algum exista, dos que gozam desta última faculdade, possuem a primeira.
Em segundo lugar, o sábio doutor esqueceu de explicar como o estalido muscular de uma pessoa imóvel e afastada da mesa pode produzir nesta vibrações sensíveis a quem a toque; como pode esse ruído repercutir, à vontade dos assistentes, nas diferentes partes da mesa, nos outros móveis, nas paredes, no forro, etc.; como, finalmente, a ação daquele músculo pode atingir uma mesa em que ninguém toca e fazê-la mover-se. Em suma, a explicação a que nos reportamos, se de fato o fosse, apenas infirmaria o fenômeno das pancadas, nada adiantando com relação a qualquer dos outros muitos modos de comunicação.
Reconheçamos, pois, que ele julgou sem ter visto, ou sem ter observado tudo e observado bem. É sempre de lamentar que homens de ciência se afoitem a dar, do que não conhecem, explicações que os fatos podem desmentir. O próprio saber que possuem deverá torná-los tanto mais circunspectos em seus juízos, quanto é certo que esse saber afasta deles os limites do desconhecido.
Os movimentos e as pancadas deram sinais inteligentes, obedecendo à vontade e respondendo ao pensamento. Haviam, pois, de originar-se de uma causa inteligente. Desde que o efeito deixava de ser puramente físico, outra, por isso mesmo, tinha que ser a causa. Tanto assim, que o sistema da ação exclusiva de um agente material foi abandonado, para só ser esposado ainda pelos que julgam a priori, sem haver visto coisa alguma. O ponto capital, portanto, está em verificar-se a ação inteligente, de cuja realidade se pode convencer quem quiser dar-se ao trabalho de observar.
Se o pensamento externado fora sempre o dos assistentes, a teoria da reflexão estaria confirmada. Mas, embora reduzido a estas proporções, já não seria do mais alto interesse o fenômeno? Já não seria coisa bastante notável o pensamento a repercutir num corpo inerte e a se traduzir pelo movimento e pelo ruído? Já não haveria aí o que excitasse a curiosidade dos sábios? Por que então a desprezaram eles, que se fadigam na pesquisa de uma fibra nervosa?
Só a experiência, dizemos, podia confirmar ou condenar essa teoria, e a experiência a condenou, porquanto demonstra a todos os momentos, e com os mais positivos fatos, que o pensamento expresso, não somente pode ser estranho ao dos assistentes, mas que lhes é, muitas vezes, contrário; que contradiz todas as ideias preconcebidas e frustra todas as previsões. Com efeito, difícil me é acreditar que a resposta provenha de mim mesmo, quando, a pensar no branco, se me fala em preto.
Em apoio da teoria que apreciamos, costumam invocar certos casos em que são idênticos o pensamento manifestado e o dos assistentes. Mas, que prova isso, senão que estes podem pensar como a inteligência que se comunica? Não há por que pretender-se que as duas opiniões devam ser sempre opostas. Quando, no curso de uma conversação, o vosso interlocutor emite um pensamento análogo ao que vos está na mente, direis, por isso, que de vós mesmos vem o seu pensamento? Bastam alguns exemplos em contrário, bem comprovados, para que positivado fique não ser absoluta esta teoria.
Como explicar, pela reflexão do pensamento, as escritas feitas por pessoas que não sabem escrever; as respostas do mais alto alcance filosófico, obtidas por indivíduos iletrados; as respostas dadas a perguntas mentais, ou em língua que o médium desconhece e mil outros fatos que não permitem dúvida sobre a independência da inteligência que se manifesta? A opinião oposta não pode deixar de resultar de falta de observação.
Provada, como está, moralmente, pela natureza das respostas, a presença de uma inteligência diversa da do médium e da dos assistentes, provada também o está, materialmente, pelo fato da escrita direta, isto é, da escrita obtida espontaneamente, sem lápis, nem pena, sem contato e malgrado a todas as precauções tomadas contra qualquer subterfúgio. O caráter inteligente do fenômeno não pode ser posto em dúvida: logo, há nele mais alguma coisa do que uma ação fluídica. Depois, a espontaneidade do pensamento expresso contra toda expectativa e sem que alguma questão tenha sido formulada, não consente se veja nele um reflexo do dos assistentes.
Em alguns casos, o sistema do reflexo é bastante descortês. Quando, numa reunião de pessoas honestas, surge inopinadamente uma dessas comunicações de revoltante grosseria, fora desatencioso, para com os assistentes, pretender-se que ela haja provindo de um deles, sendo provável que cada um se daria pressa em repudiá-la. (Vede O Livro dos Espíritos , “Introdução”, § 16.)
Confessamos não ter logrado compreendê-la e dela falamos unicamente de memória. É, em suma, como tantas outras, uma opinião individual, que conta poucos prosélitos. Pelo nome de Emah Tirpsé, o autor designa o ser coletivo criado pela sua imaginação. Por epígrafe, tomou a seguinte sentença: Nada há oculto que não deva ser conhecido. Esta proposição é evidentemente falsa, porquanto uma imensidade há de coisas que o homem não pode e não tem que saber. Bem presunçoso seria aquele que pretendesse devassar todos os segredos de Deus.
Poder-se-ia acreditar que fosse assim, se o médium tivesse sempre ar de inspirado ou de extático, aspecto que, aliás, lhe seria fácil aparentar perfeitamente, se quisesse representar uma comédia. Como, porém, se há de crer na inspiração, quando o médium escreve como uma máquina, sem ter a mínima consciência do que está obtendo, sem a menor emoção, sem se ocupar com o que faz, distraído, rindo e conversando de uma coisa e de outra? Concebe-se a sobre-excitação das ideias, mas não se compreende possa fazer que uma pessoa escreva sem saber escrever e, ainda menos, quando as comunicações são transmitidas por pancadas, ou com o auxílio de uma prancheta, de uma cesta.
No curso desta obra, teremos ocasião de mostrar a parte que se deve atribuir à influência das ideias do médium. Todavia, tão numerosos e evidentes são os fatos em que a inteligência estranha se revela por meio de sinais incontestáveis, que não pode haver dúvida a respeito. O erro da maior parte dos sistemas, que surgiram nos primeiros tempos do Espiritismo, está em haverem deduzido, de fatos insulados, conclusões gerais.
Compreende-se que a crença na comunicação exclusiva dos demônios, por muito irracional que seja, não houvesse parecido impossível, quando se consideravam os Espíritos como seres criados fora da humanidade. Mas, desde que se sabe que os Espíritos são simplesmente as almas dos que hão vivido, ela perdeu todo o seu prestígio, e pode-se dizer que toda a verossimilhança, porquanto, admitida, o que se seguiria é que todas essas almas eram demônios, embora fossem as de um pai, de um filho, ou de um amigo, e que nós mesmos, morrendo, nos tornaríamos demônios, doutrina pouco lisonjeira e nada consoladora para muita gente. Bem difícil será persuadir a uma mãe de que o filho querido, que ela perdeu e que lhe vem dar, depois da morte, provas de sua afeição e de sua identidade, é um suposto satanás. Sem dúvida, entre os Espíritos, há os muito maus e que não valem mais do que os chamados demônios, por uma razão bem simples: a de que há homens muito maus que, pelo fato de morrerem, não se tornam bons. A questão está em saber se só eles podem comunicar-se conosco. Aos que assim pensem, dirigimos as seguintes perguntas:
1.º. Há ou não Espíritos bons e maus?
2.º. Deus é ou não mais poderoso do que os maus Espíritos, ou do que os demônios, se assim lhes quiserdes chamar?
3.º. Afirmar que só os maus se comunicam é dizer que os bons não o podem fazer. Sendo assim, uma de duas: ou isto se dá pela vontade, ou contra a vontade de Deus. Se contra a sua vontade, é que os maus Espíritos podem mais do que ele; se, por vontade sua, por que, em sua bondade, não permitiria ele que os bons fizessem o mesmo, para contrabalançar a influência dos outros?
4.º. Que provas podeis apresentar da impossibilidade em que estão os bons Espíritos de se comunicarem?
5.º. Quando se vos opõe a sabedoria de certas comunicações, respondeis que o demônio usa de todas as máscaras para melhor seduzir. Sabemos, com efeito, haver Espíritos hipócritas, que dão à sua linguagem um verniz de sabedoria; mas, admitis que a ignorância pode falsificar o verdadeiro saber e uma natureza má imitar a verdadeira virtude, sem deixar vestígio que denuncie a fraude?
6.º. Se só o demônio se comunica, sendo ele o inimigo de Deus e dos homens, por que recomenda que se ore a Deus, que nos submetamos à vontade de Deus, que suportemos sem queixas as tribulações da vida, que não ambicionemos as honras, nem as riquezas, que pratiquemos a caridade e todas as máximas do Cristo, numa palavra: que façamos tudo o que é preciso para lhe destruir o império, dele, o demônio? Se tais conselhos o demônio é quem os dá, forçoso será convir em que, por muito manhoso que seja, bastante inábil é ele, fornecendo armas contra si mesmo.*
7.º. Pois que os Espíritos se comunicam, é que Deus o permite. Em presença das boas e das más comunicações, não será mais lógico admitir-se que umas Deus as permite para nos experimentar e as outras para nos aconselhar ao bem?
8.º. Que direis de um pai que deixasse o filho à mercê dos exemplos e dos conselhos perniciosos, e que o afastasse de si; que o privasse do contato com as pessoas que o pudessem desviar do mal? Ser-nos-á lícito supor que Deus procede como um bom pai não procederia, e que, sendo ele a bondade por excelência, faça menos do que faria um homem?
9.º. A Igreja reconhece como autênticas certas manifestações da Virgem e de outros santos, em aparições, visões, comunicações orais, etc. Essa crença não está em contradição com a doutrina da comunicação exclusiva dos demônios?
10.º. Acreditamos que algumas pessoas hajam professado de boa-fé essa teoria; mas, também cremos que muitas a adotaram unicamente com o fito de fazer que outras fugissem de ocupar-se com tais coisas, pelo temor das comunicações más, a cujo recebimento todos estão sujeitos. Dizendo que só o diabo se manifesta, quiseram aterrorizar, quase como se faz com uma criança a quem se diz: não toques nisto, porque queima. A intenção pode ter sido louvável; falhou, porém, o objetivo, porquanto a só proibição basta para excitar a curiosidade e bem poucos são aqueles a quem o medo do diabo tolhe a iniciativa. Todos querem vê-lo, quando mais não seja para saber como é feito, e muito espantados ficam por não o acharem tão feio como o imaginavam. E não se poderia achar também outro motivo para essa teoria exclusiva do diabo? Gente há, para quem todos os que não lhe são do mesmo parecer estão em erro. Ora, os que pretendem que todas as comunicações provêm do demônio não serão a isso induzidos pelo receio de que os Espíritos não estejam de acordo com eles sobre todos os pontos, mais ainda sobre os que se referem aos interesses deste mundo, do que sobre os que concernem aos do outro? Não podendo negar os fatos, entenderam de apresentá-los sob forma apavorante. Esse meio, entretanto, não produziu melhor resultado do que os outros. Onde o temor do ridículo se mostre impotente, forçoso é se deixem passar as coisas.
O muçulmano, que ouvisse um Espírito falar contra certas leis do Alcorão, certamente acreditaria tratar-se de um mau Espírito. O mesmo se daria com um judeu, pelo que toca a certas práticas da lei de Moisés. Quanto aos católicos, de um ouvimos que o Espírito que se comunica não podia deixar de ser o diabo, porque se permitira a liberdade de pensar de modo diverso do dele, acerca do poder temporal, se bem que, em suma, o Espírito não houvesse pregado senão a caridade, a tolerância, o amor do próximo e a abnegação das coisas deste mundo, preceitos todos ensinados pelo Cristo.
Não sendo os Espíritos mais do que as almas dos homens e não sendo estes perfeitos, o que se segue é que há Espíritos igualmente imperfeitos, cujos caracteres se refletem nas suas comunicações. É fato incontestável haver, entre eles, maus, astuciosos, profundamente hipócritas, contra os quais preciso se faz que estejamos em guarda. Mas, porque se encontram no mundo homens perversos, é isto motivo para nos afastarmos de toda a sociedade? Deus nos outorgou a razão e o discernimento para apreciarmos, assim os Espíritos, como os homens. O melhor meio de se obviar aos inconvenientes da prática do Espiritismo não consiste em proibi-la, mas em fazê-lo compreendido. Um receio imaginário apenas por um instante impressiona e não atinge a todos. A realidade claramente demonstrada, todos a compreendem.
* Esta questão foi tratada em O Livro dos Espíritos (números 128 e seguintes); mas, com relação a este assunto, como acerca de tudo o que respeita à parte religiosa, recomendamos a brochura intitulada "Carta de um católico sobre o Espiritismo", do Dr. Grand, ex-cônsul da França (à venda na Livraria Ledoyen, in-18; preço de 1 franco), bem como a que vamos publicar sob o título de "Os contraditores do Espiritismo, do ponto de vista da religião, da ciência e do materialismo". [Trata-se, aqui, de "O que é o Espiritismo?". — Equipe Kardecpédia.]
Quando se lhes objeta com os fatos de identidade, que atestam, por meio de manifestações escritas, visuais, ou outras, a presença de parentes ou conhecidos dos circunstantes, respondem que é sempre o mesmo Espírito, o diabo, segundo aqueles, o Cristo, segundo estes, que toma todas as formas. Porém, não nos dizem por que motivo os outros Espíritos não se podem comunicar, com que fim o Espírito de Verdade nos viria enganar, apresentando-se sob falsas aparências, iludir uma pobre mãe, fazendo-lhe crer que tem ao seu lado o filho por quem derrama lágrimas. A razão se nega a admitir que o Espírito, entre todos santo, desça a representar semelhante comédia. Demais, negar a possibilidade de qualquer outra comunicação não importa em subtrair ao Espiritismo o que este tem de mais suave: a consolação dos aflitos? Digamos, pura e simplesmente, que tal sistema é irracional e não suporta exame sério.
Eis aqui as consequências gerais deduzidas de uma observação completa e que agora formam a crença, pode-se dizer, da universalidade dos espíritas, visto que os sistemas restritivos não passam de opiniões insuladas:
1.º. Os fenômenos espíritas são produzidos por inteligências extracorpóreas, às quais também se dá o nome de Espíritos;
2.º. Os Espíritos constituem o mundo invisível; estão em toda parte; povoam infinitamente os espaços; temos muitos, de contínuo, em torno de nós, com os quais nos achamos em contato;
3.º. Os Espíritos reagem incessantemente sobre o mundo físico e sobre o mundo moral e são uma das potências da natureza;
4.º. Os Espíritos não são seres à parte, dentro da criação, mas as almas dos que hão vivido na Terra, ou em outros mundos, e que despiram o invólucro corpóreo; donde se segue que as almas dos homens são Espíritos encarnados e que nós, morrendo, nos tornamos Espíritos;
5.º. Há Espíritos de todos os graus de bondade e de malícia, de saber e de ignorância;
6.º. Todos estão submetidos à lei do progresso e podem todos chegar à perfeição; mas, como têm livre-arbítrio, lá chegam em tempo mais ou menos longo, conforme seus esforços e vontade;
7.º. São felizes ou infelizes, de acordo com o bem ou o mal que praticaram durante a vida e com o grau de adiantamento que alcançaram. A felicidade perfeita e sem mescla é partilha unicamente dos Espíritos que atingiram o grau supremo da perfeição;
8.º. Todos os Espíritos, em dadas circunstâncias, podem manifestar-se aos homens; indefinido é o número dos que podem comunicar-se;
9.º. Os Espíritos se comunicam por médiuns, que lhes servem de instrumentos e intérpretes;
10.º. Reconhecem-se a superioridade ou a inferioridade dos Espíritos pela linguagem de que usam; os bons só aconselham o bem e só dizem coisas proveitosas; tudo neles lhes atesta a elevação; os maus enganam e todas as suas palavras trazem o cunho da imperfeição e da ignorância.
Os diferentes graus por que passam os Espíritos se acham indicados na Escala Espírita (O Livro dos Espíritos, parte II, capítulo I, n.º 100). O estudo dessa classificação é indispensável para se apreciar a natureza dos Espíritos que se manifestam, assim como suas boas e más qualidades.
Este sistema não infirma qualquer dos princípios fundamentais da doutrina espírita, pois que nada altera com relação ao destino da alma; as condições de sua felicidade futura são as mesmas; formando a alma e o perispírito um todo, sob a denominação de Espírito, como o gérmen e o perisperma o formam sob a de fruto, toda a questão se reduz a considerar homogêneo o todo, em vez de considerá-lo formado de duas partes distintas.
Como se vê, isto não leva a consequência alguma e de tal opinião não houvéramos falado, se não soubéssemos de pessoas inclinadas a ver uma nova escola no que não é, em definitivo, mais do que simples interpretação de palavras. Semelhante opinião, restrita, aliás, mesmo que se achasse mais generalizada, não constituiria uma cisão entre os espíritas, do mesmo modo que as duas teorias da emissão e das ondulações da luz não significam uma cisão entre os físicos. Os que se decidissem a formar grupo à parte, por uma questão assim pueril, provariam, só com isso, que ligam mais importância ao acessório do que ao principal e que se acham compelidos à desunião por Espíritos que não podem ser bons, visto que os bons Espíritos jamais insuflam a acrimônia, nem a cizânia. Daí o concitarmos todos os verdadeiros espíritas a se manterem em guarda contra tais sugestões e a não darem a certos pormenores mais importância do que merecem. O essencial é o fundo.
Julgamo-nos, entretanto, na obrigação de dizer algumas palavras acerca dos fundamentos em que repousa a opinião dos que consideram distintos a alma e o perispírito. Ela se baseia no ensino dos Espíritos, que nunca divergiam a esse respeito. Referimo-nos aos esclarecidos, porquanto, entre os Espíritos em geral, muitos há que não sabem mais, que sabem mesmo menos do que os homens, ao passo que a teoria contrária é de concepção humana. Não inventamos, nem imaginamos o perispírito, para explicar os fenômenos. Sua existência nos foi revelada pelos Espíritos e a experiência no-la confirmou ( O Livro dos Espíritos, n.º 93). Apoia-se também no estudo das sensações dos Espíritos ( O Livro dos Espíritos, n.º 257) e, sobretudo, no fenômeno das aparições tangíveis, fenômeno que, de conformidade com a opinião que estamos apreciando, implicaria a solidificação e a desagregação das partes constitutivas da alma e, pois, a sua desorganização.
Fora mister, além disso, admitir-se que esta matéria, que pode ser percebida pelos nossos sentidos, é, ela própria, o princípio inteligente, o que não nos parece mais racional do que confundir o corpo com a alma, ou a roupa com o corpo. Quanto à natureza intima da alma, essa desconhecemo-la. Quando se diz que a alma é imaterial, deve-se entendê-lo em sentido relativo, não em sentido absoluto, por isso que a imaterialidade absoluta seria o nada. Ora, a alma, ou o Espírito, são alguma coisa. Qualificando-a de imaterial, quer-se dizer que sua essência é de tal modo superior, que nenhuma analogia tem com o que chamamos matéria e que, assim, para nós, ela é imaterial. ( O Livro dos Espíritos , números 23 e 82.)
“O que uns chamam perispírito não é senão o que outros chamam envoltório material fluídico. Direi, de modo mais lógico, para me fazer compreendido, que esse fluido é a perfectibilidade dos sentidos, a extensão da vista e das ideias. Falo aqui dos Espíritos elevados. Quanto aos Espíritos inferiores, os fluidos terrestres ainda lhes são de todo inerentes; logo, são, como vedes, matéria. Daí os sofrimentos da fome, do frio, etc., sofrimentos que os Espíritos superiores não podem experimentar, visto que os fluidos terrestres se acham depurados em torno do pensamento, isto é, da alma. Esta, para progredir, necessita sempre de um agente; sem agente, ela nada é, para vós, ou, melhor, não a podeis conceber. O perispírito, para nós outros Espíritos errantes, é o agente por meio do qual nos comunicamos convosco, quer indiretamente, pelo vosso corpo ou pelo vosso perispírito, quer diretamente, pela vossa alma; donde, infinitas modalidades de médiuns e de comunicações.
“Agora o ponto de vista científico, ou seja: a essência mesma do perispírito. Isso é outra questão. Compreendei primeiro moralmente. Resta apenas uma discussão sobre a natureza dos fluidos, coisa por ora inexplicável. A ciência ainda não sabe bastante, porém lá chegará, se quiser caminhar com o Espiritismo. O perispírito pode variar e mudar ao infinito. A alma é o pensamento: não muda de natureza. Não vades mais longe, por este lado; trata-se de um ponto que não pode ser explicado. Supondes que, como vós, também eu não perquiro? Vós pesquisais o perispírito; nós outros, agora, pesquisamos a alma. Esperai, pois.”